quinta-feira, 22 de outubro de 2009
DAR E RECEBER:
UMA HISTÓRIA DE AMOR SOMÁTICA CONTÍNUA
È muito importante falar-nos a respeito da criança e do modo como as distorções do amor principiam na relação da criança com os pais. Contudo, é importante se aperceber de que, o tempo todo, estivemos falando do adulto. O adulto na família ensina à criança não-formada o modo de cuidar, o modo de se interessar, o modo de compartilhar, o modo de ser íntimo, o modo de brincar e trabalhar em conjunto. O adulto e a criança trabalham juntos num processo de corporificação para a formação do adulto.
Tornar-se adulto é uma exigência inata, um imperativo, um padrão de organização que existe tanto nas crianças quanto nos adultos. Esse tema formativo, com suas fases genética, jovem, adulta e idosa organiza nossa vida pessoal e familiar. Dessa organização vem a formação da necessidade, do desejo, da emoção e os aspectos psicológicos, corporais do self somático adulto. Esta é a função do cuidar, se interessar, compartilhar, ter intimidade e cooperar: são padrões de corporificação, doação e recepção.
Dar e receber é um processo adulto, e a família é uma organização de adultos dando a adultos. Essa é a dinâmica essencial dos quatro aspectos do amor. A criança aprende dos adultos como usar a ela mesma e aos outros por meio do tocar, olhar, respirar junto, mergulhando nos olhos um do outro, beijando, falando, trabalhando junto, experienciando a pressão e a temperatura do contato e cooperando.
Este dar e receber entre adultos é uma narrativa que levamos adiante ao longo de nossas vidas. Se for uma narrativa estagnada - sempre nos tocando, nos excitando, sendo íntimos na mesma postura de corpo - nos tornamos exaustos, entediados, atrofiados. No entanto, se for uma narrativa em movimento, em uma dança e em crescimento, nos tornamos verdadeiramente vivos.
Nossa narrativa de amar, desenvolvendo o uso dos nossos corpos nas quatro fases do amor, também é a tarefa do nosso tipo constitucional. Como a nossa maneira de dar inata - a ação do meso, o sentimento e proximidade do endo, a informação e atenção do ecto - é atendida? Se os ecto pensam que podem apenas dar atenção à distância, sem contato de pele, eles têm um problema. Do mesmo modo, os endo precisam saber que proximidade enquanto agarrar-se não é contato nem intimidade. Os meso aprendem que pressão e performance não são atos de amor, apenas a ternura o é.
Quando a generosidade de dar e a graça de receber são razoavelmente satisfeitas, é possível formar um self elástico e amoroso. Quando a generosidade e a confiança foram experienciadas, as relações amorosas podem se formar e ser compartilhadas com os outros. Nesse diálogo, buscamos para compartilhar nossos corpos e aquilo que foi dado a nós e, ao mesmo tempo, recebermos o que os outros oferecem. Nesse sentido, o amor é pulsatório e rítmico. É um buscar, um assimilar, um dar, um se reunir e um conter de variadas intensidades, à medida que crescem e minguam.
Amor é a disponibilidade de viver o processo formativo e ajudar os outros a viver o deles. É essa disponibilidade de agir com interesse, compartilhar, prover satisfação e estar conectado. É se mover e compartilhar dos processos da vida. É o dar a nossa abundância bioquímica, para expandir e respirar novas possibilidades. Em certos casos, pode envolver negar a nós mesmos, nos retrair e não compartilhar, mas permitir que os outros expressem a si mesmos.
O amor, à medida que floresce e viceja, compartilha sementes com outras vidas, como parte do grande continuum da existência. Essa maneira de olhar e trabalhar com o amor tenta reconhecer a natureza essencial da nossa vida, quem somos e ajudar-nos a corporificar nossa constituição inata de uma forma pessoal. Ser capaz de trabalhar com a nossa vida é ressoar em profundidade e respirar no espectro de formas somáticas que contêm o rio desta verdade. Quando sabemos como estamos no mundo, sabemos como podemos estar no mundo - quem somos, a imagem que carregamos, e a forma que é nossa maneira especial de existir. A terapia somática busca as respostas para estas questões, e mais: descobrir a expressão corporificada do amor como um processo universal, o fluxo da existência.
Em Amor e Vínculos, Uma Visão Somático-Emocional, Stanley Keleman, São Paulo, Summus Editorial, 1996
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